Albinismo: uma condição genética que ainda gera discriminação

Depois do nascimento do primeiro filho, que estava já com quatro anos, António e Maura Fernandes pensaram em alargar a família. O casal esperava por uma menina, caso o plano do novo rebento fosse materializado.

Passados dois anos, Maura conseguiu engravidar. No quinto mês da gestação, recebeu a tão esperada notícia de que seria mãe de uma menina. A partir daí, o casal deu início aos preparativos da recepção da menina, que, apesar de ainda estar no ventre da mãe, já tinha nome: Weza Octhali Fernandes.

Durante a gestação, tudo indicava para a normalidade em todos os aspectos. Mas, no dia 7 de Julho de 2008, quando tinha nove meses, Maura começou a sentir-se mal e foi levada, com urgência, à Maternidade Lucrécia Paim, onde, depois de seis horas de dores de parto, os médicos decidiram fazer  uma cesariana, para salvar a mãe e a bebé.

Após a operação, a equipa médica viu que a bebé era grandinha e linda, mas o tom da pele e a cor do cabelo chamaram a atenção. A menina era albina, o que assustou a mãe.

Apesar da anestesia que lhe tinha sido aplicada, Maura conseguiu levantar a cabeça e viu a bebé a chorar. Mas, além disso, reparou que a menina era mesmo albina. Com isso, negou a filha.

“Confesso que entrei em pânico quando vi a bebé. Comecei a chorar tanto, ao ponto de os médicos levarem a pequena para fora da sala”, explicou Maura, para avançar que, durante as primeiras duas semanas, se negava a amamentar a filha.

Maura diz que nem sequer conseguia tocar a bebé ou vê-la. Por várias vezes, perguntava a Deus a razão de ter dado à luz a uma criança albina. E, não tendo resposta, chegou a acusar a equipa médica de ter trocado a verdadeira filha por outra.

A reacção de negação de Maura foi tão forte que o marido achou que ela estava a ficar louca ou que tinha uma depressão pós-parto, que é comum em muitas mulheres.

Antes do nascimento da filha, a mulher nunca tinha conhecido albinos na família ou histórias relacionadas a isso entre os seus parentes. A situação era mais preocupante  pelos relatos de ignorância e de vários mitos em torno das pessoas portadoras deste problema genético.

Só depois, muito mais tarde, soube que a bisavó paterna já tivera um filho com albinismo, mas este veio a morrer um mês após o parto, em função dos maus-tratos da progenitora, que se recusava a cuidar do filho, por ter nascido com albinismo. ”Os mais velhos diziam que era maldição e, portanto, a criança não podia viver”, contou Maura.

Ao saber da árvore genealógica e depois de receber explicações de que já havia um albino na família, ela passou a ter consciência que quer ela quer os parentes mais próximos poderiam ter filhos albinos.

Nessa fase, a mulher percebeu que as pessoas com albinismo eram normais e que a situação nada tinha a ver com alguma maldição divina, mas se tratava de um processo normal, resultado da sua hereditariedade.

Por isso, com ajuda também de um psicólogo, de um padre e da família, Maura levou, pela primeira vez, a filha ao colo quando esta tinha duas semanas. “A partir daí, ela se tornou no meu grande amor, na minha princesa”, realçou.

Hoje, a menina Weza está perto de completar 13 anos e é a alegria da família. A mãe considera-a uma criança muito inteligente, que está quase sempre no quadro de honra.

“É uma pessoa bastante carinhosa para com as outras. Hoje, não lhe largo por nada e, por incrível que pareça, desde que nasceu, graças a Deus, nunca recebi queixas de discriminação”, gabou-e Maura.

Pelos cuidados que recebe da família, a menina Weza tem a pele lisa, limpa e cabelos lindos, o que atrai as pessoas com facilidade, “até lhe chamam de boneca”.

Tudo tem a mão de Deus

Diferente da reacção de Maura, ao saber que gerou uma albina, Maria Pascoal, quando teve contacto com a informação de que a filha era portadora de albinismo, louvou a Deus e pediu apenas que protegesse a criança.

“Uma mulher, durante a gestação, não imagina que terá um filho albino, mas, depois de a ter, tem de amá-la e esperar que a família e outros da sociedade a recebam com carinho”, disse.

Maria recorda que, após o parto, quando era levada para a sala de pós-parto, à distância deu conta, pelo cabelo da bebé, e perguntou se a menina era albina, tendo recebido resposta afirmativa.

A menina, que nasceu com 3,80 quilos, era saudável e foi baptizada com o nome de Noémia Pascoal. “Quando a segurei com amor, as parteiras sentiram-se aliviadas, até, admiradas, porque diziam que as mães de filhos albinos os negavam revoltadas”, lembrou com tristeza as palavras das técnicas de saúde.

Maria Pascoal é mãe de cinco filhos, um rapaz e quatro raparigas. Destes rebentos, Noémia é considerada a “flor mais linda do meu jardim”. Acrescentou que a filha foi sempre bem cuidada, que o seu tom de pele chama a atenção onde quer que passa, por isso, é tratada por “Boneca”.

Maria Pascoal não contou se tem albinismo na família, tal como é o caso de Maura, mas deixou claro que ama em demasia a filha e a trata como faz com os demais rebentos, embora Noémia tenha uma atenção especial quanto à assistência à pele e visão, para evitar os problemas típicos e bastantes comuns em albinos.

Albinismo não é doença

O dermatologista Juliano Isaías, que é o chefe dos Serviços de Dermatologia do Hospital Américo Boavida, explicou que o albinismo é um distúrbio genético, que faz com que os melanócitos (células responsáveis por produzir melanina) sejam incapazes de funcionar correctamente.

De acordo com o especialista, a melanina é a substância responsável pela coloração ou pigmentação da pele, dos olhos e dos pelos. Esta proteína é tão importante no corpo tanto do homem como do animal, que a sua principal missão é oferecer protecção contra a radiação solar.

O médico dermatologista referiu que, quando o corpo é incapaz de produzir esta substância ou de distribuí-la de forma equitativa, ocorre a hipopigmentação, conhecida por albinismo.

Essa situação, esclarece Juliano Isaías, causa complicações que afectam o nervo óptico, responsável pela visão, bem como aumenta o risco de desenvolver cancro da pele e faz subir a sensibilidade da pele à luz solar, ocasionando queimaduras de sol, lesões e neoplasias.

Questionado se o albinismo é uma doença, o médico respondeu negativamente. “É apenas uma condição hereditária do organismo que se transmite de duas formas distintas, autossómica recessiva e autossómica dominante”.

O especialista explicou que, na primeira, a pessoa herda um gene mutante de ambos os pais, ou seja, o bebé só apresenta algum problema genético, caso tenha adquirido células afectadas tanto da mãe como do pai.

Já na forma autossómica dominante, a pessoa adquire o gene, mas não expressa o problema genético. Daí que, para uma pessoa nascer albina, é necessário que o gene com mutação seja herdado dos pais, no sentido de a condição se manifestar.

“Caso o gene seja herdado somente do pai ou da mãe, é possível tê-lo, mas não apresentar a referida condição”, esclareceu o chefe do Serviço de Dermatologia do Hospital Américo Boavida.

Juliano Isaías avançou que esta condição se pode manifestar tanto na raça negra como na branca, afectar ambos os sexos e, inclusive, ocorrer entre os animais e plantas.

Problema pode evoluir para cegueira

O especialista em Dermatologia explicou que existem três tipos de albinismo: ocular, cutâneo e o oculocutâneo.

O albinismo ocular dá-se quando se regista a ausência total ou parcial de pigmentação dos olhos, enquanto o cutâneo tem a ver com a pouca ou nenhuma melanina na pele e/ou cabelos e pêlos. Já o oculocutâneo, que é o tipo mais comum, refere-se à combinação entre a falta de pigmento nos olhos, na pele e nos cabelos.

Tal como qualquer outro distúrbio genético, o albinismo tem sinais. Segundo Juliano Isaías, estes podem ajudar a identificar o problema, com destaque para a coloração mais clara da pele e dos cabelos, partes do corpo com ausência de cor, sensibilidade à luz, astigmatismo, estrabismo e, algumas vezes, cegueira.

Cuidados especiais evitam danos

Por ser genético, o albinismo como tal não tem tratamento, mas podem ser tomados diferentes cuidados, com a ajuda de um dermatologista, na prevenção de complicações, como as queimaduras solares, que, na maioria das vezes, causam cancro da pele, sendo os mais comuns o espino celular, base celular e os melanomas.

O carcinoma espino celular, também chamado de carcinoma de células escamosas, é um dos diferentes tipos de cancro que se desenvolvem na pele. Tem origem na camada mais superficial da epiderme e, em geral, atinge áreas do corpo expostas ao sol, como rosto, orelhas, pescoço, lábios e dorso das mãos.

Por isso, o médico referiu ser de extrema importância que os albinos, antes de saírem de casa, usem os protectores solares com regularidade e cremes hidratantes, para protegerem a pele, por esta ser bastante sensível. Além disso, o uso destes produtos deixa a pele mais macia e saudável, enquanto a não utilização torna esta parte exterior do corpo mais dura, enrugada e com maior facilidade para desenvolver os problemas já mencionados.

E como o problema afecta, também, a visão, o médico aconselhou a realização de consultas de rotina com especialistas em Oftalmologia, a fim de usar tampões para corrigir o estrabismo. “Também devem usar óculos de sol apropriado, mas, acima de tudo, de forma regular os óculos graduados para a correcção de problemas de visão”.

Para proteger a pele, o especialista disse que o albino tem de usar roupas de mangas compridas e chapéu e deve evitar a exposição ao sol. “Por isso, não deve praticar desporto ao ar livre e, caso goste de praticar, tem de fazê-lo em ambiente fechado”, recomendou.

Cerca de seis mil albinos no país

Segundo projecções feitas pela Direção Nacional de Saúde Pública, Angola tem cerca de seis mil albinos, referiu o especialista em Dermatologia. Mas avançou que o Senso Populacional, previsto para o próximo ano, poderá trazer o número real desta franja da população.

Juliano Isaías explicou que, além do trabalho feito pela Direção Nacional de Saúde Pública, o Hospital Américo Boavida realizou, há cinco anos, uma campanha de rastreio nas províncias de Luanda, Cuanza-Sul, Cuanza-Norte e Cabinda, onde se constatou que a segunda região, com 107, é a que tem o maior número de albinos.

Em segundo lugar, está o Cuanza-Norte, com 97 albinos, sendo que Cabinda é a que tem menos casos de pessoas com albinismo, tendo em conta que, em cinco anos, o Serviço de Dermatologia local só tem assistido um único cidadão com o problema.

Dados mundiais sobre a problemática

No mundo, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), estima-se que um em cada 20 mil habitantes têm algum tipo de albinismo. Na América do Norte e na Europa, por exemplo, uma entre 17 mil tem este problema.

Mas os dados referem que esta condição é mais prevalente na África Subsaariana, tanto que, na Tanzânia, uma a cada 1,4 mil pessoas é albina.

O 13 de Junho foi instituído pela ONU como o Dia Mundial da Consciencialização sobre o albinismo em 2014, com o objectivo de promover o combate ao preconceito e à discriminação contra pessoas albinas.

Para este ano, a ONU escolheu o seguinte lema: “Inclusão é Força”, e surge na sequência do tema do ano passado “Unidos para fazer ouvir a nossa voz”. O objectivo é garantir a inclusão das vozes das pessoas com albinismo em todos os sectores da vida.

Associação pede subvenção a produtos

A Associação de Apoio aos Albinos de Angola (4 AS), segundo o seu presidente e fundador, Manuel Vapor, tem um total de 350 membros, dos quais 150 albinas e 200 outras são familiares dessas pessoas portadoras de albinismo e amigos da institição.

A associação está representada nas províncias do Huambo, Huíla, Uíge, Benguela, Cuanza-Norte, Cuanza-Sul, Moxico, Cuando Cubango, Namibe e Luanda.

Questões financeiras fizeram com que a instituição não fosse expandida às 18 províncias. Mas, do ponto de vista individual, disse Manuel Vapor, a maioria dos albinos tem dificuldades em adquirir os protectores solares, cremes hidratantes e outros compostos que os ajudam a minimizar os efeitos da radiação solar.

Por exemplo, um frasco de creme hidratante para albinos pode ser adquirido ao preço

que vai de 10 a 30 mil kwanzas, enquanto um bom protector solar específico fica a cinco mil kwanzas, produtos que se usam diariamente.

“Como fica um casal que tem dois ou mais filhos albinos sem a ajuda do Governo? É complicado sustentar isso pelo resto da vida. Por isso, vemos muitos albinos com tantas manchas na pele ou feridas à volta da boca, porque não têm condições financeiras para se manterem totalmente hidratados”, lamentou.

   Tratamento dos olhos e da pele na Lunda-Norte

Victorino Matias / Dundo

Um total de 16 indivíduos, entre crianças e adultos, portadores de albinismo, no Dundo, Lunda-Norte, está a beneficiar de consulta especial grátis para resolver problemas dermatológicos e oftalmológicos.

Por iniciativa do Governo da Lunda-Norte, a campanha dá acesso às consultas e habilita, também, as pessoas albinas a outros serviços, sobretudo, a cremes destinados aos cuidados da pele e mais produtos de higiene.

A directora do Gabinete Provincial da Acção Social, Família e Igualdade de Género garantiu que as consultas com os médicos especialistas vão ser, no futuro, permanentes, no sentido de que todos os portadores de albinismo beneficiem das mesmas, fruto da parceria com o Hospital Geral David Bernardino “Kamanga”, o maior da Lunda-Norte, localizado na Urbanização do Mussungue.

Odeth Fernandes referiu que o programa está inserido nas Jornadas de Consciencialização Sobre o Albinismo, que se assinala hoje.

A responsável avançou que o problema dos albinos não se restringe apenas à questão das limitações em termos de saúde física das pessoas, por via das políticas públicas que facilitam o acesso aos medicamentos subvencionados e consultas de oftalmologia, mas, também, ao emprego, educação e inserção sócio-produtiva.

Odeth Fernandes lamentou o facto de, ainda, persistirem problemas de preconceitos contra os cidadãos portadores de albinismo.

O albinismo requer uma série de cuidados, tendo apontado que a prevenção é a chave de tudo, sendo primordial que durante a vida inteira se evite a exposição ao sol, o que evita não só o envelhecimento precoce, mas, também, doenças como ceratoses actínicas e cancro da pele.

Odeth Fernandes, que é portadora de albinismo, referiu que o acompanhamento oftalmológico está entre as medidas fundamentais, em especial para as crianças, pois as orientações e recursos visuais adequadamente instituídos podem permitir o desenvolvimento intelectual normal, uma vida futura saudável e produtiva.

Portadores do problema clamam por apoio no Cubal

Arão Martins | Benguela

Os portadores de albinismo no Cubal solicitaram à Administração Municipal a criação de condições que permitam a colocação naquela parcela de Benguela de um médico especializado para atender às suas necessidades fundamentais.

A solicitação foi feita no encontro com o administrador municipal do Cubal, Paulino Banja, que foi ouvir as preocupações ligadas à criação de um núcleo da classe.

Na exposição, os albinos referiram-se às dificuldades no acesso ao sistema de ensino, posicionamento dentro da sala de aula e à inclusão social, entre outros.

Em representação do núcleo de albinos, Florentino Samuakwendje defendeu o contínuo esclarecimento da comunidade para acabar com tabus e evitar actos de discriminação.

O administrador municipal do Cubal, Paulino Banja, enalteceu a iniciativa e prometeu trabalhar para minimizar as dificuldades apresentadas pelos albinos.

Por: JA

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